
Você decide com o paladar ou com o ouvido? O nome da marca influencia mais do que você imagina.
Nos corredores de supermercados, um novo fenômeno chamou minha atenção quando cheguei aos Estados Unidos, em 2023, para iniciar meu mestrado. Diversas marcas, e aqui listo apenas algumas, como Nature Valley, Kind, Simply e Made Good (em livre tradução, respectivamente, Vale da Natureza, Bondoso, Simples e Fazer Bem) adotam nomes que soam saudáveis, leves e naturais. Ao atrair meu olhar, despertou minha curiosidade para entender mais a fundo se a entrega do produto acompanhava a promessa.

Conclusão? Nem sempre. Observando a lista de ingredientes, encontrei elementos como óleo de palma, glicerina vegetal, açúcar refinado, xarope invertido de cana, xarope de glucose e maltodextrina, conhecidos agressores da saúde humana e causadores de obesidade, diabetes e diversos tipos de câncer.
Em meio a uma crescente valorização do bem-estar e preocupação com a alimentação consciente, muitas marcas passaram a usar o naming como ferramenta de persuasão, criando nomes com apelo saudável mesmo em categorias sabidamente indulgentes, como snacks.
Esse movimento levanta preocupações éticas e estratégicas: esses nomes estão ajudando o consumidor a fazer escolhas melhores ou apenas mascarando produtos que continuam pouco saudáveis?

Essa foi a pergunta que motivou o estudo que conduzi durante meu mestrado em Global Retailing na Universidade de Houston, sob supervisão da Dra. Olivia Johnson. Meu objetivo foi entender o poder do naming no processo de decisão de compras.
Teorias por trás da prática: pistas e halos
Dois conceitos-chave nortearam a pesquisa:
- A Teoria da Utilização de Pistas (Cue Utilization Theory), que afirma que os consumidores usam sinais visuais e verbais como nome, cor e embalagem para tomar decisões rápidas sobre qualidade e valor de um produto.
- O Efeito Halo de Saúde (Health Halo Effect), que mostra como um único atributo positivo como um nome que sugira leveza ou pureza pode “contaminar” positivamente a percepção de todo o produto, mesmo quando isso não se justifica.
Essas teorias ajudam a explicar por que tantas marcas apostam em nomes que evocam saúde, mesmo sem necessariamente alterar sua formulação.
O experimento: o nome muda tudo?
Para testar isso, desenvolvi um estudo experimental com consumidores norte-americanos. O primeiro passo foi criar os nomes que seriam aplicados nas embalagens. Com base em teorias de simbolismo fonético que mostram como nomes com a presença das vogais A, E e I são associadas à leveza e nomes com O e U têm associações com robustez, usei inteligência artificial para evitar o viés humano e gerei quatro nomes de produto: Ever Thin, Bite Lite, Chunk’O e Molto.

Em um pré-teste com consumidores, os nomes criados foram validados como saudáveis e não-saudáveis, comprovando as teorias de simbolismo fonético (Ever Thin e Bite Lite foram associados como saudáveis por 89% dos participantes, enquanto Molto e Chunk’O como não-saudáveis para 75% e 91% respectivamente). Na fase principal do experimento, os participantes foram expostos a embalagens de batatas chips fictícias e idênticas em tudo — exceto pelo nome da marca que variavam entre os acima mencionados. Nenhum elemento visual ou verbal adicional que pudesse evocar saudabilidade foi usado nas embalagens.
Em seguida, os participantes avaliaram o produto com base em três dimensões:
- Intenção de compra
- Percepção de saudabilidade
- Atratividade percebida
Descobertas
- Sim, o nome influencia. Os snacks com nomes saudáveis foram percebidos como mais saudáveis, mesmo sendo o mesmo produto. Isso confirma o efeito halo: o nome foi suficiente para mudar a percepção geral do item.
- Mas não, isso não garante venda imediata. Curiosamente, os nomes saudáveis não aumentaram diretamente a intenção de compra. No entanto, influenciaram indiretamente, ao moldar a percepção de saúde e atratividade – comprovando outra teoria chamada Modelo de Probabilidade de Elaboração (MPE).
- Atratividade conta — mesmo sem o consumidor perceber. A atratividade percebida surgiu como um mediador psicológico importante: mesmo que o participante não declarasse achar o nome mais atraente, isso ainda impactou sua vontade de comprar. Esse achado se alinha com outra teoria chamada Teoria do Afeto como Informação.
O que isso ensina para nós do marketing, branding e comunicação
- Naming é estratégia, não detalhe. O nome da marca é um dos primeiros e mais poderosos pontos de contato com o consumidor. Ele pode moldar expectativas, emoções e até comportamento — mesmo que de forma inconsciente.
- Atenção à coerência entre discurso e produto. Quando um nome saudável não reflete a realidade do item, o risco de frustração ou acusação de “greenwashing nutricional” aumenta. Marcas que prometem saúde precisam entregar, ou perdem credibilidade. E isso vale para diversas outras categorias como cosméticos, vestuário e medicamentos.
- A embalagem comunica, mas o nome ancora. Mesmo com todos os elementos visuais controlados, o nome foi suficiente para alterar percepções — isso mostra o peso do verbal no contexto do design de embalagens.
- Consumidores usam atalhos. Em um ambiente de excesso de informação, as pessoas confiam em pistas rápidas — como o nome — para tomar decisões. Isso reforça a responsabilidade das marcas ao escolher como se comunicar.
Conclusão
Naming não é uma questão de gosto pessoal ou mero devaneio criativo. É comportamento, percepção e, comprovadamente, elemento de persuasão. Em tempos de consumidores hiperconectados, conscientes e críticos, escolher um nome é também assumir uma posição.
O estudo demonstrou que mesmo nomes fictícios, sem qualquer reforço visual, alegação funcional ou força prévia de marca, foram capazes de alterar significativamente a percepção de saudabilidade e a intenção de compra. Isso confirma que o nome, isoladamente, atua como uma pista cognitiva poderosa, disparando julgamentos sobre o produto — ainda que o consumidor não tenha lido o rótulo ou avaliado os ingredientes.
No Brasil, a ANVISA não proíbe nomes sugestivos, mas regula o que pode ser afirmado sobre benefícios à saúde. A Resolução RDC nº 727/2022 determina que alegações funcionais ou de saúde só podem ser feitas com comprovação científica e aprovação da agência. No entanto, essa regulação não se estende diretamente ao nome do produto — o que abre margem para nomes com viés positivo que, mesmo sem afirmar nada explicitamente, influenciam a decisão de compra.
Por exemplo, um produto alimentício com o nome “Faz Bem” pode estar dentro das normas da Anvisa, desde que não declare funções específicas como “reduz o colesterol” ou “melhora a digestão”. Porém, como mostra este estudo, o simples nome “Faz Bem” já pode alterar a percepção do consumidor sobre o produto, criando um efeito halo de saúde que impacta seu julgamento e comportamento no ponto de venda.
Esse cenário aponta para uma zona cinzenta entre naming e ética de mercado, especialmente em categorias de produtos ultraprocessados ou indulgentes. Se por um lado o nome pode ser uma estratégia legítima de diferenciação e posicionamento, por outro, pode gerar uma percepção enganosa — ainda que não ilegal — sobre o valor nutricional ou funcional do produto.
Naming é, mais do que nunca, branding com responsabilidade.
Escrito por Zeh Henrique Rodrigues, sócio-diretor de Estratégias de Branding & Varejo da Brainbox.