
O que os consumidores querem
Parte 2: Paris, Nova Iorque, São Paulo…Terlingua. Uma boa experiência de compras precisa de competência, não de um CEP famoso.
Nos últimos anos, já circulei pelas lojas e eventos de varejo mais badalados do mundo. De Londres a Nova Iorque, de Amsterdã a Los Angeles, da NRF à EuroShop, grandes marcas se apresentam como disruptoras do status quo. Novas flagships são inauguradas prometendo impactar o mercado de consumo. Adjetivos e hipérboles para narrar experiências de compra são usados sem pudor.
Porém, quando a espuma evapora, são poucos os que, de fato, entregam o que prometem.
Em meu último artigo, falei sobre como a equipe de loja pode fazer a diferença na experiência de compras. Agora, também com base em fatos reais, quero desmistificar a ideia de que apenas grandes marcas, com grandes investimentos, em grandes cidades, podem proporcionar ótimas experiências ao consumidor.
No meio do deserto, uma loja
Recentemente visitei uma das áreas mais remotas do Texas, o Big Bend National Park. A região é conhecida por atrair ecoturistas e astro-turistas (sim, isso mesmo, astro-turistas). Reconhecida como International Dark Sky Park, é uma das áreas mais escuras da América do Norte, ideal para observação de astros.
A infraestrutura, no entanto, é limitada, com poucas opções de hotelaria, de comércio e de serviços. Uma das áreas com maior concentração de pessoas é Terlingua, antiga cidade mineradora, que ganhou vida no final do século XIX. Em seu auge, chegou a abrigar milhares de trabalhadores. Com o declínio da mineração nos anos 1940, tornou-se uma cidade fantasma, hoje com menos de cem moradores.
Entre ruínas e construções de pedra e adobe, o cenário é cinematográfico, procurado por fotógrafos, aventureiros e viajantes em busca de autenticidade e silêncio.
Nesse ambiente desolado, parei para almoçar em um dos poucos locais recomendados pelos guias da região. Ao entrar, fiquei surpreso.
Conceito, narrativa, conexão e… eficiência.











Com uma proposta de hub, o Venga Café reúne restaurante, loja e galeria de arte. De imediato, minha expectativa foi superada.
Com um conceito contemporâneo, muito visto nos grandes centros urbanos e amplamente apresentado em conferências internacionais, esse pequeno espaço no meio do deserto surpreende pela competência.
O design de ambiente combina elementos rústicos, industriais e artesanais com harmonia, sem dever nada às lojas de Austin, de Camden ou ao SoHo nova-iorquino. O visual merchandising é cuidadosamente planejado e o mobiliário tem sintonia perfeita com o conceito.
Nada sobra e nada é improvisado, algo raro até em grandes redes. O novo e o ousado equilibram-se com o clássico tradicional, criando um ritmo visual provocador e autêntico.
Para quem já visitou muitas lojas, nota-se claramente a curadoria dos elementos expostos, inclusive na escolha do mix de produtos. O Venga Café oferece uma seleção precisa de mochilas, chapéus, garrafas, coletes, óculos escuros e outros acessórios para quem quer curtir a vida ao ar livre no deserto de Chihuahuan.
A seleção é pequena, claro, mas composta por produtos de alta qualidade, tanto de marcas locais quanto nacionais, refletindo uma conexão verdadeira com a região.
O ambiente do restaurante também encanta, oferecendo café da manhã e almoço com pratos como burritos, torradas de abacate com salmão defumado, Cuban sandwich e saladas. Para quem está com pressa de sair às trilhas, há várias opções de grab-and-go. O atendimento é amigável, atencioso e próximo, sem formalidades, mas cheio de cuidado.
Quadros, esculturas e objetos de arte se integram naturalmente ao espaço, incorporando alma e cultura ao ambiente. É um convite para desacelerar e aproveitar o momento.
O que os pequenos podem ensinar aos grandes
Um pequeno e independente comércio no meio do deserto dá de dez a zero em muita marca famosa. E faz isso seguindo alguns princípios básicos de uma boa marca:
• compreensão do público
• narrativa forte e coerente
• operação eficiente
• infraestrutura adequada
• atenção aos detalhes
O Venga Café comprova que a experiência de consumo é um conjunto de fatores, muito além de um espaço instagramável ou de um nome famoso.
O resto é conversa para agradar aos stakeholders nos PPTs dos eventos internacionais.
Escrito por Zeh Henrique Rodrigues, sócio-diretor de Estratégias de Branding & Varejo da Brainbox.





