O X da questão: narcisismo de Musk ou golpe de genialidade?
Recentemente vimos mais um movimento, como sempre polêmico, do bilionário Elon Musk.
Após menos de um ano como dono do Twitter, Musk anunciou ao mundo a mudança radical de marca e posicionamento da icônica e amada marca do passarinho. Milhões de comentários à parte, prós e contras.
Como estrategista de marca, gostaria de refletir um pouco mais sobre a maneira como o branding tem sido conduzido pelas empresas. Ao longo da minha carreira, já vi mudanças radicais de nome e marca em diversos negócios. Quem não se lembra da Brasil Telecom, que virou Oi? Eu mesmo já recomendei trocas de naming e ampliação de escopo no posicionamento de algumas marcas. Todas, ainda bem, deram certo e os empresários estão felizes.
Obviamente, esses insights estratégicos vêm sempre embasados em muitos dados primários e secundários, coletados ao longo do processo. Nada é por gosto particular ou empirismo (pelo menos não deveria ser).
O impacto de uma troca de nome e marca é gigantesco no universo da gestão de branding e dos negócios. Os elementos verbais e visuais, como chamamos, são parte da tangibilização da promessa da marca, além de deflagrarem todo o storytelling da empresa. Qualquer alteração pode gerar consequências terríveis para o negócio.
Como alguém disse uma vez, o verdadeiro dono de uma marca é o consumidor. Tanto é verdade que a marca de roupas GAP sentiu isso na pele (não era pra ser um trocadilho, mas encaixou bem). Fundada em 1969, a empresa decidiu em 2010, depois de uma sequência de performances negativas de vendas após a crise de 2008, tentar gerar um fato novo mudando a marca. Numa analogia futebolística, foi como trocar o técnico depois de perder alguns jogos seguidos. Seria inocente acreditar que não foram investidos milhões de dólares em pesquisas e em consultores seniors. Certamente nada foi feito ao acaso. O ponto aqui é que, neste caso, na minha opinião, o fator “dono da marca” foi completamente esquecido. O objetivo, segundo o CEO da GAP na época, era modernizar, olhar pra frente, criar um novo momento para a empresa. Será que os consumidores viam a marca assim? O que de fato a empresa, por meio do seu elemento visual central, representa para milhões de pessoas por décadas a fio?
A hipótese é que esses questionamentos não foram bem amarrados e o resultado foi que a mudança de marca durou menos de uma semana! Sim, isso mesmo. A empresa reconheceu sua falha e a falta de alinhamento claro com outros movimentos essenciais para o sucesso financeiro de uma marca (revisão de mix, canais, pricing, etc.).
Mas, afinal, posso mudar meu nome e minha marca? Claro que pode. A análise, porém, é complexa e varia de caso para caso, não existindo um padrão ou benchmark 100% seguro.
A pergunta é: por quê? Qual o real problema para uma troca de identidade? Podemos listar algumas situações pra isso acontecer, mas que devem ser muito bem analisadas:
• mudança/ampliação de escopo de negócios
• imagem de marca manchada
• entrada em novos mercados com limitações de registro de marca
• nome atual limitante e/ou pouco aderente ao público
Essa lista pode ser maior, mas vamos voltar ao caso do Twitter e das big techs. Em 2021, Mark Zuckerberg anunciou a mudança de Facebook para Meta, apostando suas fichas no universo do Metaverso e se distanciando aos poucos dos canais sociais. Não vou me concentrar na estratégia do negócio, e sim na questão da marca. Tecnicamente falando, faz sentido. Facebook e suas marcas são notoriamente conhecidos por serem plataformas de mídia social e conexão interpessoal. E convenhamos que, nos últimos anos, a marca perdeu espaço e ficou vinculada ao passado das redes sociais (muitos até o comparam ao Orkut). Talvez essa estratégia tenha sido uma antecipação do fim do FB. O fato é que podemos dizer que o público já não morria mais de amores pela empresa e que a mudança não tenha gerado mais perdas (acredito que também não tenha gerado ganhos).
Ao analisar o caso do Twitter, já tenho diversas dúvidas. É de conhecimento público que Elon Musk, antes de comprar a empresa, fazia duras críticas à plataforma. Seguindo o ditado “quem desdenha quer comprar”, Musk assumiu a empresa e, desde o início, fez manobras polêmicas, gerando descontentamento por todos os lados, dos usuários, não usuários e funcionários aos especialistas do mercado.
A intenção do bilionário, porém, se encaixa na lista que mencionei anteriormente. Mudança de escopo de negócio. Ele quer muito mais do que uma plataforma social. Seu desejo é que a “X”, novo nome do Twitter, passe a ser uma gigante da mídia mundial, abrangendo diversos negócios, serviços e produtos. Neste ponto, temos que dar algum crédito para ele, pois vimos sua agressividade e síndrome de grandeza trazerem algumas revoluções para os segmentos automobilístico, de energia renovável e exploração espacial. Até onde isso vai e quanto vai durar, muitos apostam, mas, de fato, ninguém sabe. Toda ousadia tem seu preço.
Sob o aspecto de marca, porém, foi um movimento altamente arriscado, uma vez que o Twitter e seu passarinho azul eram amados e admirados pelos seus milhões de usuários. Diferentemente de outros casos vistos aqui, não havia rejeições ou barreiras por parte do público. Claro que a ampliação de escopo da empresa poderia ficar comprometida, uma vez que a plataforma era visceralmente reconhecida por divulgar notícias rápidas do dia a dia. Questiono, contudo, se isso foi profundamente discutido e explorado pelos executivos da empresa. Pela notoriedade da marca, talvez Twitter pudesse ter uma amplitude de marca maior do que se pensa.
Pessoalmente, acredito que tenha sido mais uma “vingança” de Musk, procurando destruir a “coisa” dos outros e criando a sua nova “criatura”. Acredito também que essa intenção de Elon seja antiga, e não um impulso no meio da madrugada. Dito isso, por que então ele quis comprar uma marca icônica para em pouco tempo mudá-la? Com sua força financeira e reputação visionária, não teria sido mais fácil, e menos doloroso, criar um negócio do zero? Ele fez isso com todas as outras empresas que fundou. Grosseiramente falando, é como se ele tivesse comprado a Ford para a transformar em Tesla. Faz sentido?
Só o tempo nos dirá se Musk é de fato gênio estrategista ou louco passional. Meu alerta fica a todos os empresários e consultores, que não se consideram geniais, assim como eu, para prestar muita atenção no ativo MARCA e na sua conexão emocional com os públicos. Esse GAP (olha o trocadilho novamente) pode ser fatal.
Escrito por: Zeh Henrique Rodrigues, Sócio-VP de Branding e Varejo da Brainbox